Antero de Quental – Sonetos

 O PALÁCIO DA VENTURA

Carlos Pereira da Silva

Sonho que sou um cavaleiro andante,
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!

NA MÃO DE DEUS

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!

NOCTURNO

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento…

Como um canto longínquo – triste e lento –
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento…

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem.

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Génio da noite, e mais ninguém!

Boas leituras!

IA

Publicado por

isauraafonseca

Professora do Ensino Secundário - Português

3 opiniões sobre “Antero de Quental – Sonetos”

  1. Dois destes sonetos foram analisados nas aulas… “Isto, este ano, está muito deprimente, Stora!” , “Coitado do homem! Não admira que se tenha suicidado!” são apenas alguns dos comentários dos “meus” pequenos (já grandes!).

    Obrigada, mais uma vez, pela vossa visita.
    beijinho,
    Isaura

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